Os outros
Quando eu era criança, nunca tive desejo de ter um carro. Porque morava num lugar em que não passavam carros. Lá distante, onde era a Avenida Aparício Borges, onde só minha vista alcançava, eu via que passavam os carros, mas não fazia a menor idéia de quem eram seus donos. Eu só fui ter desejo de ter um carro quando identifiquei os donos dos carros e vi que eles eram diferentes de mim por eu não ter carro. Foi a minha primeira comparação, o abismo que me levou a achar que os outros eram mais felizes do que eu. *** O que quero dizer é o seguinte: se olharmos só para o que somos, temos mais chances de sermos felizes. O diabo é que não é isso que acontece: vivemos nos espelhando nos outros, a nossa aflição consiste em tentarmos ter o que os outros têm, quando não termos mais do que os outros, sermos melhores ou iguais aos outros. *** Em Cuba, por exemplo, onde todos são pobres, todos ganham pouco, ninguém se julga infeliz. Os cubanos infelizes são aqueles que sabem que a poucos quilômetros da ilha existe Miami, os EUA, onde as condições de vida dos norte-americanos são infinitamente melhores que as dos cubanos. Isso passa a ser insuportável, pois se instala neles a idéia de que suas vidas são muito piores que as dos seus vizinhos norte-americanos. *** Em outras palavras, só pode ser feliz quem não acha os outros mais felizes. Toda a encrenca humana reside em nos compararmos com nossos vizinhos, isto é, com os outros. Sempre que acharmos que alguém é mais feliz do que nós, acabaremos sendo infelizes. É muito difícil para os humanos encarar com naturalidade a felicidade dos outros, até mesmo porque aos nossos olhos invejosos os outros são mais felizes do que realmente o são. O próprio Sartre disse que “o inferno são os outros”. O que quer dizer que nós teríamos muito mais chances de sermos felizes e realizados se olhássemos só para nós. *** Por isso é que os livros sagrados dizem que ser rico não é possuir todas as riquezas, no nosso caso muito dinheiro, muitas propriedades, viajar para onde nos apetecer. Ser rico, dizem os livros sagrados, é contentar-se com o que se tem. Se há um segredo de felicidade é este: achar que é bastante o que se possui, sem olhar para o que possuem os outros. Sei que estou dando uma receita quase impossível de seguir, mas também sei que é a única receita capaz de levar uma pessoa a ser feliz. *** Pelo amor de Deus, isso não quer dizer que o homem não deva ambicionar, até mesmo porque a razão central do progresso dos homens e das nações é a ambição. Mas a ambição deve ser uma meta, uma trilha a seguir, e não o despeito por ver que os outros têm mais do que nós. Ou seja, a felicidade está apenas no que somos e no que desejamos ser, mas sem nos importarmos com o parâmetro alheio. Assim, justo é que queiramos crescer porque vemos que há espaço para crescermos – e não porque entendemos que os outros estão mais crescidos. Fôssemos ser infelizes porque possuímos menos do que os outros, teríamos que paralisar, cruzar os braços e nunca mais avançar quando constatássemos que outros possuem muito menos do que nós. *Texto publicado na página XX de Zero Hora dominical Paulo Santana